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Sem Destino 01: Porto

"Fluido como água."

O sino da torre norte da Sé toca uma só vez e é como se em resposta uma barragem rebentasse e um turbilhão negro o envolvesse, o arrastasse. Dez, doze figuras, totalmente vestidas de preto, correm como ele em direcção ao limite do Terreiro da Sé.

Sem pensar, Lobo salta a uma mão sobre a balaustrada de granito para o largo da fonte, cinco metros abaixo, quase invisível sob a ténue luz dos candeeiros de sódio. O eco ensurdecedor da aterragem de botas e sapatilhas no empedrado ameaça o torpor do velho casario.

O plano estava bem delineado. Quer dizer, estava mais ou menos delineado. Quase.

"Fluido como água," repete. "Estúpido."

Fazer parkour à noite, por um percurso improvisado, com um grupo de gajos que não conhecia de lado nenhum, numa cidade onde tinha acabado de chegar -- e logo nesta cidade, com tantas que há no mundo -- só seria fluido como as águas dum rápido num desfiladeiro suicida. A questão não era tanto chegar do ponto A ao ponto B da forma mais rápida e bonita possível, mas antes chegar lá inteiro.

Foda-se, só se vive uma vez.

Viram à esquerda, dividem-se. Parte do grupo opta pela estreita viela em frente, outra parte lança-se num novo trajecto impossível pela escadaria em ruínas bloqueada por enormes painéis grafitados. Lobo escala o primeiro, salta para o nicho e desliza ao longo da fachada lateral da Igreja dos Grilos, deixa-se cair para agarrar o gradeamento abaixo e chegar a piso firme do outro lado. Um movimento ininterrupto, eficiente, elegante.

A cada instante, o chão -- ou o muro, o corrimão, a pedra, o candeeiro de iluminação pública -- parece querer fugir do seu alcance. O seu percurso cruza-se com o de outros traceurs que logo desaparecem por becos ocultos e saltam de telhado em telhado para logo surgirem mais abaixo, numa vertigem em direcção ao rio, cada vez mais próximos da Praça da Ribeira. Mais um sprint, mais uma escalada, quase lá, mais um salto de precisão, mais um... de repente, uma telha que cede à pressão do seu pé e troca-lhe o equilíbrio por uma queda desamparada nas duras lajes de granito da rua.

Quando Lobo recupera a consciência, encontra-se rodeado pelos outros traceurs, uma dúzia de caras flutuando entre ele e o céu negro. A mais próxima é a da única rapariga do grupo. A preocupação nos seus olhos azuis contrasta com o tom trocista na sua voz.

"Andar nisto pela sensação de liberdade e acabar numa cadeira de rodas é um bocado estúpido, não é?"

Completamente.

***

"O senhor sabe tão bem como eu que a única maneira de um produtor de vinho competir internacionalmente é mostrando ser diferente e melhor que os outros."

"Mas, doutor Eduardo, os ganhos de quota de mercado e de melhoria de produtividade e rentabilidade dos recursos humanos foi de encontro aos nossos objectivos estratégicos, e..."

"E esperam uma aceleração de 0,7 porcento em Julho acompanhada por uma subida de 25 pontos-base na taxa de referência em Setembro. Eu sei, eu li a documentação."

"E fomos bem sucedidos na reestruturação do..."

"Desculpe, tenho de atender este telefonema."

Só o esforço de se levantar e caminhar até à mais próxima das enormes janelas que dominam o salão d'O Comercial do Palácio da Bolsa é quase suficiente para o fazer deixar cair a máscara de profissional enérgico e imperturbável. A queda da noite anterior não tinha tido consequências para lá de uma noite mal dormida e de umas quantas pisaduras, mas lá que dói, dói.

"Eduardo Lobo."

Enquanto fala, nunca perde de vista a sua mesa e a cara de preocupação do seu companheiro de almoço. É um bom homem e com boas ideias, e já se sabe que não se pode produzir bom vinho sem se beber um pouco de quando em vez, mas gerir uma empresa do tamanho e com a ambição da dele exige mais organização. Ainda não tinha parado de o tentar impressionar, quer repetindo sistematicamente os números mais favoráveis relativos à performance da empresa, quer até pela escolha do restaurante ou da ementa. Eduardo não pode negar estar a ter um certo gozo com tudo isto. E apanhar um sustozinho ver se se acorda e passa a levar os negócios mais a sério nunca fez mal a ninguém.

"Ainda não terminei o meu relatório," diz enquanto se volta a sentar à mesa, uns segundos depois, "mas a minha decisão está tomada."

"Mas, senhor doutor..."

"Tenha calma, senhor Ferreira. A minha recomendação vai ser globalmente favorável, e tenho toda a confiança em como o projecto de investimento será aprovado, mas há situações que têm forçosamente de ser alteradas."

O rosto do velho empresário ilumina-se e a sua expressão rasga-se num sorriso sincero.

"Ah! Muito obrigado, doutor Eduardo. Com toda a certeza, vamos fazer com que isto resulte. Não se vai arrepender, garanto-lhe. O que for preciso ser alterado na orgânica da... Olhe! Chegou a minha neta, que o vai informar de tudo o que não consta nos documentos. Sofia, estamos aqui!" acena entusiasmado para a zona do bar, e acrescenta embevecido, "É a menina dos meus olhos, o futuro da empresa."

Eduardo Lobo esboça de novo o movimento para se levantar, mas desta vez não evita o esgar de dor e é obrigado a apoiar-se nas costas da cadeira enquanto se vira para cumprimentar a recém-chegada.

Quando o seu olhar se fixa naqueles já seus conhecidos olhos azuis, no entanto, ficam ambos paralisados, sem reacção.

***

"Vais explicar ou não?"

Eduardo nem levanta os olhos dos papéis para responder. "Vamos mas é concentrarmo-nos em acabar este relatório."

"O relatório está pronto," diz Sofia ao arrancar-lhe o dossier das mãos. "Há horas que estás a engonhar."

"Tenho estado a verificar os dados os dados, só isso."

Sofia ri-se. "Já tinhas decidido o que o relatório ia dizer ainda antes de almoçares com o meu avô. Os dados estão mais que verificados."

Ele deixa-se afundar na cadeira, derrotado, e esboça um sorriso.

"Explica. Hás-de convir que para um avaliador de risco, o parkour não será o passatempo mais óbvio."

"Não é um passatempo. É mais... Nem sei explicar. Um escape. Não, também não é isso. Uma segunda natureza."

"Que manténs separada da primeira," diz, muito séria. Um segundo depois, solta uma sonora gargalhada. "És uma espécie de Batman!"

"Lobo," responde Eduardo em voz baixa, corando visivelmente. "Engraçada. Não me lembro de te ouvir a dizer ao teu avô de onde me conhecias. E esse vestidinho de menina-bem que estás a usar hoje não tem nada a ver com o equipamento de ontem."

"Reparaste?" diz ela ao alisar com os dedos a seda preta. "É diferente. Só não quero que ele se preocupe comigo. E além disso, sabes que aquilo não é tão perigoso como parece a quem está de fora."

"Eu sei."

"A não ser, claro, para quem se mete por percursos mal iluminados que não conhece," ri outra vez. "Não te esqueças que estás no meu território, Lobo."

Eduardo levanta-se e dirige-se à estante que forra a totalidade de uma das paredes do moderno gabinete. Os seus dedos percorrem a lombada de alguns dos livros, sem se deter em nenhum. Sofia, meio-sentada na enorme secretária, observa-o. Consegue perceber uma espécie de formigueiro a crescer e a querer romper aquela couraça que o envolvera a cada minuto do dia de trabalho. A única fonte de luz é o candeeiro sobre a secretária, e ela aponta-o a ele como se fosse um foco de busca. Ele pausa.

"Devíamos ter mais cuidado com quem nos cruzamos à noite, é o que estás a querer dizer?"

"Não necessariamente," responde Sofia. "Se não nos metermos por caminhos desconhecidos, nunca sabemos o que estamos a perder. E eu até gosto de percursos mal iluminados, de vez em quando."

Eduardo olha para ela, intrigado. Sofia pisca-lhe o olho e aproxima-se. Com a mão sobre a dele, faz os seus dedos deslizarem ao longo da prateleira ao nível dos olhos de ambos, até se deter sobre um livro em particular. Mulheres Que Correm Com Lobos. Os lábios dele curvam-se num sorriso quase imperceptível.

"Isso não faz com que estejas a invadir o meu território?"

"Isso está aberto a debate," responde Sofia antes de, sem qualquer aviso, o beijar. Um beijo agressivo, dominador.

Eduardo é apanhado de surpresa e afasta-a com as mãos. Os dois olham-se longamente, ofegantes, avaliam-se. Ela retoma o ataque, pressiona-o contra a estante com o seu corpo. Ele sente o cheiro dela -- toda ela -- o seu perfume, o seu cabelo, a sua pele, o seu sexo -- tudo. Ela beija o pescoço dele.

"Agora," diz ela. "Quero-te agora."

Ele sabe. Está no ar à volta deles. À mera sugestão, o seu pénis enrijece, cresce.

Ela debate-se com o fecho das calças dele, ele olha para as mãos dela, ajuda-a, e ali estava ele -- erecto, insistente.

"Foda-se. És enorme. És enorme," murmura ela.

Os dois cambaleiam através do gabinete até que as costas dela embatem com estrondo contra o janelão frio. Lá fora, nuvens negras escondem a lua e dissolvem-se sobre a cidade numa forte chuvada.

Ele ergue-a do chão agarrando a parte de trás das suas coxas. Ela não usa nada por baixo do vestido, levantado até à cintura. Ele contempla sob a luz difusa a perfeição dos seus lábios vaginais cor de coral, nus, reluzentes, demasiado preciosos para tomar de assalto sem um longo e cuidadoso cerco. Mas não era isso que ela quer, o pénis dele arde na palma da sua mão, lateja, como ela, pulsa.

Sofia abre mais as pernas, geme, guia-o até ela, e ele penetra-a, invade-a de uma só vez.

Lobo expira.

Estar dentro dela é ao mesmo tempo doce e intimidante. Ela é apertada, responsiva. Fode-o tanto como ele a ela, o corpo dela é serpentino e dá réplica a cada penetração. Os seus sucos dissolvem-se nele como uma névoa ardente, cobrindo-o com a sua essência.

Lobo sente as mãos dela a insinuarem-se sob a camisa dele e a percorrer a musculatura dos seus braços, dos seus ombros. A pele dele é eléctrica, vibra compassadamente. Ele olha para ela, boca aberta, e toca-a com a ponta dos dedos no lábio inferior. Os olhos dela abrem-se, o seu azul fulgente na semi-escuridão.

"Fode-me. Não pares."

Ele afunda-se nela, mais devagar, mais intenso, com mais propósito.

Os lábios dela mexem-se como se fosse dizer qualquer coisa, ficam abertos.

Lobo insiste, finca os pés firmemente ao chão, penetra-a com toda a sua força.

Sofia treme, o seu corpo soluça em resposta a algo que explode dentro de si. As suas unhas cravam-se na pele das costas dele. Ele solta um uivo de dor. De prazer.

Ela deixa cair a cabeça para trás, suspira.

Lobo apoia a sua mão contra o vidro, ofegante. Atrás dela, a cidade estende-se cristalina sob a luz da enorme lua cheia. A chuva tinha parado, as nuvens desaparecido.

"O meu território."

"Isso está aberto a debate," responde Sofia. O fogo nos seus olhos inflama-se de novo.

*

Sem Destino é um Conto em Cadeia desenvolvido por vários autores do fórum Literotica em português. Para saber mais, ou caso queiram também escrever o vosso próprio capítulo, cliquem aqui. E não se esqueçam de votar e/ou deixar o vosso comentário.

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